Opinião
As Bugas de Aveiro ou Aveiro e as Bugas
por Ana Salgueiro Narciso Ribeiro
Infelizmente, nunca se chega a perceber se este é um assunto gasto ou um assunto pouco desenvolvido. As Bugas de Aveiro, tal como outras matérias urbano-políticas de primeira página, muito prometem ao imaginário colectivo e pouco, afinal, acabam por dar. Supostamente, a Bicicleta de Utilização Gratuita deveria colaborar na construção da imagem de uma nova cidade de Aveiro, sempre a mesma nas suas particularidades, mas a cada instante sempre uma nova, outra cidade, chamando a atenção pela sua capacidade de olhar o futuro de frente, potenciando o que em si é único.
Cidade da luz e da água, evocando imagens do passado, cidade dos espaços e das possibilidades desses espaços, cidade do futuro.
É fácil acreditar nesta possibilidade, porque é fácil verificar que noutras cidades da Europa foi possível criar uma imagem positiva de um país e da sua consciência colectiva ambientalmente desperta, através, nomeadamente, da existência da bicicleta como um modo de transporte que liberta centros de cidades asfixiados.
As pessoas necessitam de trabalhar e de se deslocar e privilegiam formas de o fazer com comodidade. E só estudando hábitos e comportamentos é possível estudar soluções que depois resultem. Ou seja, a lógica de marketing deve funcionar também para o incentivo aos modos de transporte ambientalmente sustentáveis, de entre os quais a bicicleta é exemplo privilegiado para as curtas distâncias em meio urbano. Porque é rápida, ecológica e faculta bem-estar, saúde e uma sensação de liberdade. Estas são as razões assumidas por quem faz deste o seu modo de transporte de eleição, quer se enquadre nos 26% das viagens da cidade de Amesterdão ou nos 1% das viagens da cidade de Barcelona.
Ao circular por esses espaços urbanos e conhecendo um pouco da história e do estado actual de desenvolvimento social e económico desses países, não é difícil perceber que a implementação da bicicleta, enquanto alternativa para viagens de curta distância, foi ainda assim um processo de alguma morosidade. Foi necessário criar todo o tipo de condições infraestruturais que permitam aos utentes circular em segurança, comodidade e continuidade ao longo dos trajectos criados, estabelecendo diversos tipos de complementaridades para que o sistema possa funcionar com eficácia.
Deste modo, e mais do que fazer uma crítica sobre o funcionamento do sistema de BUGAS em Aveiro, urge perceber como se consegue fazer que um sistema deste tipo funcione e sirva para alguma coisa e compreender, de uma vez por todas, porque é que em Aveiro ele não funciona.
Só através de vários tipos de cuidados, quer nas complementaridades com espaços e actividades, quer nas características físicas do próprio sistema, é possível criar viragens significativas nas mentalidades e nos comportamentos.
Em primeiro lugar, facultar a utilização de bicicletas de utilização gratuita é apenas uma pequena parte do sistema.
Para que ele funcione, a criação de uma infra-estrutura que percorra as principais artérias da cidade em continuidade e segurança e onde possam circular estas e outras bicicletas é parte basilar de todo o sistema. Ou seja, uma pista contínua, que permita a quem circula nela não ter que descer da bicicleta entre origem e destino e que garanta também que em qualquer ponto do trajecto o piso e a largura da pista são os recomendados e mais seguros e que as condições de iluminação (e segurança de uma forma geral) são as recomendadas pelos especialistas. Não é possível provar isso em Aveiro.
Depois, é fundamental compreender que todo o sistema viário da cidade deve ser reformulado e que as bicicletas não devem ser introduzidas como um apêndice mas sim como um elemento perfeitamente integrado. Como num organismo. Portanto, todos os elementos do sistema, dos transportes públicos aos passeios devem incluir as bicicletas como uma realidade que com eles se cruza, interage, complementa.
Não existem na cidade bons exemplos desta complementaridade e atenção. Desde passagens inferiores onde a calha destinada às bicicletas não funciona, até atravessamentos de vias pensados por quem provavelmente nunca andou de bicicleta.
É ainda fundamental garantir que a lógica de um circuito contínuo de pistas para ciclistas seja a ligação entre pontos importantes dentro da cidade e dentro das distâncias em que a utilização da bicicleta faz sentido. Se estamos a falar de por exemplo 3km, estamos a falar das ligações entre os principais equipamentos e os principais bairros da cidade. Universidade-Forca, Forca-Forum, Fórum-Estação, Fórum-Univerisdade, passando pelos parques, canais e outros locais e abrangendo, dentro do perímetro urbano, o maior número possível de cidadãos para as deslocações associadas com trabalho, escola ou lazer. Ora em Aveiro, apenas alguns privilegiados podem usufruir das infra-estruturas destinadas às bicicletas e não nas melhores condições, tal como já foi aqui apontado.
Se pensarmos na bicicleta estritamente por motivos de lazer, é ainda mais absurdo o facto de a ligação fácil e directa à zona das praias da Barra e Costa Nova não ter sido até agora promovida, facilitada e desenvolvida, quando poderia ser um elemento chave na vivência da cidade e na sua relação com o elemento água. É também fundamental garantir que nos locais de trabalho, de lazer e nas interfaces modais de transportes públicos (nas estações de comboio por exemplo) existem condições para estacionar as bicicletas em segurança e até a possibilidade de tomar um duche antes de um dia de trabalho.
E finalmente, o desenvolvimento de actividades escolares com crianças e jovens que alertem para as vantagens e possibilidades deste meio de transporte como garantia de um melhor futuro, deve desempenhar um papel educativo e central a todo o processo.
As Bugas em Aveiro são uma prótese, uma prótese supostamente destinada a melhorar uma qualidade de vida que poderia e deveria ser entendida de uma outra forma, assumida de uma outra maneira.
Por isso o sistema não funciona. Porque não foi pensado como peça fundamental no contexto do funcionamento orgânico de todo um sistema de movimentações, trajectos e actividades.
Como se costuma dizer esse é outro filme, em função do qual as Bugas são apenas uma curta-metragem. Basta visionar realidades de outros países para perceber a insipiência da Bicicleta de Utilização Gratuita de Aveiro.
As mentalidades e o déficit cultural da nossa população, para a qual andar de bicicleta continua a ser sinónimo de ‘pobreza’, não justificam em si a falência do sistema. São os políticos, os decisores de alocação de fundos municipais, que devem fazer um trabalho contínuo e persistente de educação e sensibilização, ao mesmo tempo que mostram e criam as situações que proporcionam uma real viragem nas mentalidades.
Senão vejamos. Como a um filho. Queremos que ele se porte bem e seja bom aluno na escola. Mas para isso criamos um bom ambiente em casa, regras, horas de dormir e de comer, de fazer os trabalhos de casa e de brincar. Com espaços próprios e organizados para o desenvolvimento de cada uma destas actividades, com liberdade e euforia, mas com rigor.
As BUGAS em Aveiro.
No fundo trata-se de uma oportunidade oportunamente perdida, porque os aveirenses podem sempre dizer que Aveiro tem Bugas mas não podem dizer, de todo, que Aveiro é a Capital da Bicicleta.
E o que custa mais ao cidadão comum esclarecido e pronto a participar na construção de um futuro melhor é sentir-te ludibriado, sentir que o prometido não foi, impunemente, devido e que seria afinal tão simples criar um panorama diferente, onde Aveiro pudesse, de facto, fazer a diferença.
Mas quantas coisas em Portugal não são afinal assim?
segunda-feira, 23 de julho de 2007
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3 comentários:
Discordo dessa necessidade absoluta de infra-estruturas.
Já vivi na Holanda e na Itália, onde os trajectos diários eram feitos de bicicleta. Apenas uma pequena parte era feita em ciclo-via. Para estacionar a bicicleta basta um pequeno poste (também existem em Portugal).
O mais importante está, como dizem, na visão da bicicleta como transporte do pobre. Nesta mudança cultural, talvez as infra-estruturas sejam importantes. Agora não são importantes per se.
Concordo com o comentário acima, mas acrescento o facto de infelizmente a sociedade estar sempre em busca de mais conforto. Há o que poderíamos chamar de comportamento obsoleto, o que faziam há anos atrás e que hoje considera-se um esforço desnecessário diante de tantas opções que proporcionam muito mais conforto e facilidade. Por isso acho que o que mais dificulta o uso eficaz de um sistema de ciclismo não seja somente essa mentalidade pobre, de ligar a bicicleta com hábitos da pobreza. É a desconexão com a natureza, é a falta de vontade de interagir, é a falta daquele toque de humanidade, de sair de bike pelas ruas e de conversar com as pessoas, é uma série de coisas que devem ser estudadas a fundo.
Outro facto que percebo é o comportamento da população portuguesa em relação à diversão, ao envolvimento com o "desconhecido íntimo", aquela pessoa que sempre vê e encontra pelas ruas mas que não sabe quem é, e nem faz questão de saber, de conversar, do simples acto de cumprimentar.
Cumprimentos,
Thais
O principal problema parece ser uma questão cultural enraizada; ou as coisas são perfeitas ou então não servem e é com muita facilidade que se põe defeitos. O simples facto de ser um produto ou serviço português parece ter a vida dificultada pelos próprios portugueses.
Estou convencido que se houvessem muitos utilizadores da buga, o conceito, provavelmente, já teria sido melhorado.
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